Na última quarta-feira (17), o governo federal não apenas anunciou a assinatura do projeto de lei 2628 (Eca Digital), mas também enviou um novo projeto ao Congresso: um pacote de políticas antitruste para o mercado digital.
E, nesse projeto, o Sleeping Giants Brasil tem uma participação direta, contribuindo com duas ideias-chave. Mas como a organização foi parar na formulação de uma política pública tão importante?
A história começou no ano passado, com uma consulta pública realizada pelo Ministério da Fazenda para receber propostas sobre a regulação econômica digital. Foi ali que o Sleeping Giants Brasil, e tantas outras organizações da sociedade civil, enviaram ideias, sugestões, opiniões para que, agora, ganhasse forma no projeto de lei.
As contribuições do SGBR
O projeto de lei que está sendo enviado ao Congresso contou com duas importantes contribuições do Sleeping Giants Brasil. Explicamos cada uma delas abaixo:
A) Oferecer ferramentas de transferência de dados gratuitas para usuários finais, inclusive mediante interface tecnológica apropriada.
Hoje, a maioria das plataformas digitais não tem transparência sobre como usam os dados dos usuários, o que cria uma grande obscuridade no mercado, principalmente na publicidade digital.
A Meta, que tem a maior transparência entre as grandes redes – e ainda assim não é boa – só permite que você acesse dados de publicidade se ela for classificada como política. Essa falta de transparência é um dos fatores que contribuem para a enxurrada de golpes em todas as redes.
A proposta é criar um repositório acessível para qualquer usuário. Esse mecanismo, no entanto, vai muito além, pois é um caminho para finalmente começarmos a entender o que acontece dentro das plataformas: como, onde e quando a moderação, a recomendação e o impulsionamento de conteúdo acontecem.
B) Oferecer mecanismos para a interoperabilidade gratuita e efetiva do serviço, inclusive mediante interface tecnológica apropriada entre sua infraestrutura e os serviços, produtos ou ofertas de terceiros.
Aqui está um ponto que as pessoas acabam não parando para pensar, porque o monopólio já está consolidado em nossas vidas. Por que um usuário do Twitter não pode ver na sua timeline uma postagem do Threads ou do Bluesky? Afinal, todas são plataformas de microblogging. Não podemos mais enxergar as redes sociais apenas como produtos de empresas, pois elas se tornaram a principal fonte de informação.
É importante notar que o projeto não está criando essa obrigação de imediato.
A proposta autoriza o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) a obrigar as plataformas a abrirem a possibilidade de interoperabilidade CASO ele identifique que a plataforma configura um monopólio.
O que é o CADE?
O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, que tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado brasileiro. Ele atua na prevenção e repressão de condutas que possam gerar monopólios ou prejudicar a concorrência.
Por que precisamos deste projeto?
O monopólio digital é evidente quando olhamos para empresas como o Google. Para a grande maioria das pessoas, o Google é sinônimo de pesquisa na internet. Mas será que usamos o Google por ele ser o melhor? A realidade é mais complexa.
As gigantes da tecnologia, as chamadas “big techs”, não detêm apenas dinheiro “infinito”, mas, acima de tudo, poder. Elas criam barreiras que impedem o crescimento de empresas menores. É comum vermos aplicativos promissores surgindo e, logo depois, serem comprados por essas gigantes. Isso é “a regra do mercado”? Não é bem assim.
Quando uma dessas empresas menores não quer vender, as big techs podem criar mecanismos desleais, dificultando o crescimento da concorrente até que ela seja forçada a vender ou, na pior das hipóteses, ir à falência.
“Hoje, o mercado de plataformas digitais impõe diversas barreiras de entrada para novas empresas, e isso é ruim para todos. Pior para os empreendedores, pior para os consumidores. Um mercado monopolizado é menos inovador, e a voz dos consumidores pode ser ignorada pelas plataformas – já que, em uma situação de monopólio, os consumidores têm poucas ou nenhuma alternativa a determinado serviço.” Afirma, Flora, pesquisadora do Sleeping Giants Brasil.
O tema não é exclusivo do Brasil. Recentemente, nos Estados Unidos, um tribunal decidiu que o Google tem um monopólio ilegal de anúncios online.
A ação do Departamento de Justiça dos EUA apontava que a empresa tinha mais de 90% de participação no mercado de venda de anúncios. O monopólio deste mercado produz danos, segundo o DOJ, para editores (como veículos de imprensa) que são obrigados a contratar os serviços da empresa para intermediar sua publicidade.
Ainda sobre o Brasil, a pesquisadora do SGBR completou:
“A ordem econômica nacional é regida pelo princípio da livre concorrência, previsto no art. 170, IV, da Constituição Federal. Esse princípio é acompanhado também do da soberania nacional, e foi inscrito justamente para promover a diversidade e o fomento da economia brasileira.” disse Flora.
Mas, mais do que isso, as redes sociais estão em nossas vidas: elas controlam a informação, já que o jornalismo não consegue viver sem elas. Elas escolhem presidentes, derrubam presidentes, geram convulsões, mas também criam laços e campanhas em prol dos outros. O que não podemos permitir é que todo esse poder esteja em pouquíssimas mãos — mãos que já mostraram estar apenas em busca do lucro. A democracia não pode ser reduzida a lucro, assim como a nossa vida também não. Sao com esses projetos, como o Eca digital, ou o julgamento do artigo 19 que vamos caminhando, ainda em passos pequenos, mas seguindo em frente em busca de um ambiente digital seguro e justo para todos.
Quer saber mais? A gente já falou sobre isso aqui:
Concentração de poder é ameaça à integridade da informação – Congresso em Foco
As redes que nos controlam: por que precisamos regular as plataformas digitais – Mídia Ninja
Big techs precisam de regulação que assegure competitividade digital – Carta Capital
Passo tímido – Carta Capital
Quem assina este artigo de opinião é: Licks, jornalista e ativista digital, membro da comunicação do Sleeping Giants Brasil. Arte: João Pedro.