Em busca da verdade, mas qual verdade? A de Elon Musk?

No final de outubro, Elon Musk nos surpreendeu com o anúncio, em sua rede social X, do lançamento de seu mais novo empreendimento: a “Grokipédia”, uma plataforma apresentada como alternativa à Wikipédia. Em seu anúncio, Musk afirmou que o projeto surge para buscar “a verdade, toda a verdade e nada além da verdade”. 

Segundo Musk, a Grokipédia seria uma alternativa “não-woke” – termo frequentemente utilizado pelo bilionário sul-africano para classificar qualquer pauta progressista como um ataque a valores conservadores. 

A plataforma funcionará como uma enciclopédia baseada em artigos produzidos pela própria IA Grok, seu chatbot integrado ao X, sem processo de checagem por pares ou revisão humana. Esse modelo de produção de conhecimento já foi amplamente criticado por especialistas. 

Centralização não é o problema 

Ouvimos Liz Nóbrega, pesquisadora e coordenadora de comunicação e inovação do Aláfia Lab, sobre o tema da centralização da informação. Para ela, não é necessariamente um problema ter grandes massas de conteúdo em um único lugar, como acontece com bibliotecas. O problema surge quando a governança desse espaço é concentrada. 

“É como se eu tivesse uma biblioteca com todos os livros do mundo, mas, quando você entrasse, houvesse alguém intermediando esse acesso. É como se eu quisesse aprender sobre a Grécia Antiga e essa pessoa fosse escolher qual livro ela acha que é o melhor para você aprender sobre a Grécia Antiga.” 

Para Liz, o que Elon Musk pretende com a “Grokipédia” é uma suposta democratização, mas que na prática representa uma centralização ainda maior da informação. Ela representa uma falsa escolha sobre o que ele verá e sobre quais informações vai consumir. 

“Não é que a Wikipédia seja um modelo perfeito. Mas é um modelo interessante quando pensamos em governança coletiva. Ali, há um processo mais democrático: as pessoas podem contribuir para a construção da informação, existem editores para checar o conteúdo e há um esforço de não parcialidade”, acrescenta a pesquisadora.  

Já a Grokipédia, segundo ela, segue uma lógica completamente inversa. “Por mais que o discurso seja ‘democratizar’ o acesso, estamos falando de uma centralização imensa em um único algoritmo, escrito por uma empresa que representa um viés ideológico muito forte do seu fundador.” 

Liz também demonstrou preocupação com a ideologização do chatbot e com o crescimento da crença absoluta nos conteúdos produzidos por inteligências artificiais. 

“O Grok já tem um histórico muito controverso nas respostas. E no momento em que ele passa a se colocar como rival da Wikipédia, temos um problema grande.” 

Na mesma semana do anúncio da Grokipédia, apuramos que o Grok havia mudado de comportamento. A IA passou a responder alinhada a pautas de extrema-direita, refletindo posições próximas às de Elon Musk. Entre as respostas registradas estavam: defesa da criação de um partido nazista no Brasil, críticas à Lei Maria da Penha (que combate a violência doméstica contra mulheres) e apoio às políticas antivacinação promovidas pelo atual secretário de Saúde dos Estados Unidos, Robert Kennedy Jr. 

A preocupação central é: como esses artigos estão sendo criados e quais mecanismos existem para verificar a informação? 

Em termos de impacto, a criação da Grokipédia levanta críticas sobre a governança do conhecimento na era da inteligência artificial. A Wikipédia se apoia em pilares como transparência, pluralidade de editores e revisão coletiva, elementos que conferem legitimidade e permitem correções rápidas. 

Já a Grokipédia concentra o controle editorial na infraestrutura de uma única IA, que demonstrou ter viés ideológico explícito. 

Mas seria apenas uma suposição? Seria possível que uma enciclopédia automatizada realmente propagasse desinformação? 

Uma reportagem do The Guardian mostrou que, com seus cerca de 880 mil artigos, muitos deles são cópias malfeitas da Wikipédia, contendo erros e distorções que já estão sendo replicados como se fossem fatos. 

Enquanto isso, a Wikipédia — apenas na versão em inglês — conta com quase 8 milhões de artigos, mantidos por uma comunidade global de colaboradores, moderadores e verificadores, garantindo transparência e correções rápidas quando falhas são identificadas. 

Os ataques de Elon Musk à Wikipédia 

Um artigo do The Atlantic aponta que os ataques começaram após a Wikipédia atualizar, no tópico sobre Elon Musk, o seu gesto nazista. Daí para frente, Musk pediu para que as pessoas não doassem para a plataforma, que, hoje, se mantém apenas com doações e financiamentos filantrópicos. 

Em tom de escárnio, ofereceu 1 bilhão de dólares para a Wikipédia trocar de nome para “Dickpédia”. 

Com isso, toda a extrema-direita americana começou a atacar a plataforma. O que mostra que tudo não passa de “mágoa”, pois em 2021, Musk chegou a apoiar a Wikipédia, afirmando em um “Tweet” a frase: “Que bom que você existe”. 

A questão principal é que a Wikipédia é tudo que Elon Musk sempre sonhou em ter: uma internet descentralizada e administrada pelos próprios usuários. Mas como ele não consegue criar, e nem sequer comprar (mesmo sendo a pessoa mais rica do mundo), ele descredibiliza, ataca e copia.

 

Quem assina essa matéria: Licks, jornalista e membro da equipe de comunicação do Sleeping Giants Brasil. Arte: Upa.

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