Trend com conteúdo explícito de jovens viraliza em um TikTok sem moderação

Uma trend no TikTok costumava ser um conteúdo viral e simples, como uma dancinha, um vídeo engraçado ou uma música — algo leve e divertido. No entanto, ultimamente, quando vemos a expressão “trend do TikTok” nas manchetes, já podemos esperar o pior. 

Em uma apuração exclusiva, o Sleeping Giants Brasil descobriu uma nova trend no TikTok na qual vídeos pornográficos estão sendo distribuídos a jovens e adolescentes. O TikTok proíbe esse tipo de material sexual em suas diretrizes, o que indica que as barreiras de proteção da plataforma são falhas. 

Por segurança, para que a trend não seja ainda mais divulgada, o nome utilizado e as informações que facilitem sua propagação serão omitidos nesta reportagem. 

 A mecânica é engenhosa: meninos utilizam um produto cosmético para camuflar o tema do vídeo e, assim, mostrar suas genitálias. O SGBR teve acesso a centenas de vídeos, muitos com dezenas de milhares de interações, o que prova que o método não só funciona como parece ser uma estratégia para ocultar conteúdos danosos em temas cotidianos. 

Os comentários dos vídeos servem como uma espécie de isca para receber avaliações dos “nudes”. Outro fator preocupante são os convites, feitos nos comentários, para a troca de mensagens privadas, o que pode colocar jovens em contato com pessoas mal-intencionadas. 

A falha da moderação, contudo, vai além. Encontramos publicidade veiculada na plataforma utilizando essa trend, ou seja, o TikTok está lucrando ao impulsionar e divulgar material pornográfico, que pode ser acessado por crianças e adolescentes. 

Antes de tudo, é preciso compreender qual é o público do TikTok e porque esse tipo de conteúdo é tão danoso. Uma pesquisa de 2024 da TIC Kids Online Brasil mostrou que o TikTok é uma das redes sociais preferidas de crianças e adolescentes, junto com o Instagram e o WhatsApp, ainda que estas redes não sejam indicadas para menores de 16 anos. As idades dos usuários variam entre 9 e 17 anos, e eles passam horas a fio rolando a timeline, consumindo todo tipo de conteúdo, muitas vezes sem um filtro eficaz. 

 

Efeitos danosos para crianças e adolescentes 

 

Daniel Becker, pediatra e ativista pela proteção de crianças e adolescentes online, comentou sobre os efeitos dessa exposição: 

“Para uma criança, esses conteúdos são altamente inapropriados. Ela não deve entrar em contato com órgãos sexuais exibidos, às vezes, de forma explícita ou disfarçada. Isso é uma introdução completamente inadequada à sexualidade, antes do tempo de ela amadurecer, quando ainda não está preparada para entender o que isso significa”, disse Daniel. 

Becker também relatou o quão prejudicial é para uma criança ter acesso a esse tipo de conteúdo e concluiu, afirmando que precisamos de uma regulação das redes para que elas se responsabilizem caso alguma criança tenha acesso a materiais danosos. 

“Isso vai ser ruim para ela, vai causar uma sensação difícil, traumática. Ela não vai entender do que se trata, e isso pode levar a um contato com a sexualidade que deveria acontecer depois, por meio da educação sexual — seja na escola, seja na família —, que precisa ser cuidadosa, carinhosa, e deve introduzi-la à sexualidade baseada no afeto, na relação igualitária, com carinho, tal como o sexo deve ser entre dois seres humanos”, afirmou ao SGBR. “Então, temos que esperar que isso aconteça antes de expô-la a vídeos que são, de certa forma, pornográficos, que colocam ali — disfarçadamente — um exibicionismo de órgãos sexuais, especialmente de meninos.” 

Becker também explicou que as plataformas — em especial o TikTok — precisam coibir esse tipo de conteúdo, que vai contra suas próprias regras. 

“O TikTok, obviamente, precisa aperfeiçoar seu algoritmo para detectar esse tipo de perversão, esse tipo de exibicionismo que vai contra as diretrizes da plataforma, que proíbem a exibição de nudez explícita.” 

O ativista ainda destacou como a rede social quebra suas próprias diretrizes ao permitir a permanência de crianças menores de 13 anos na plataforma, contrariando outra regra da empresa. 

“Embora os termos de uso indiquem uma idade mínima, eles permitem — e até estimulam — que crianças entrem na plataforma e tenham contas próprias. Cerca de 70% das crianças têm conta própria no TikTok. Isso mostra que a plataforma permite esse acesso porque sabe muito bem identificar quando um usuário é criança e quando não é, e sabe também como evitar que essas crianças recebam conteúdo impróprio. No entanto, não o faz corretamente.” 

As regras do TikTok são explícitas sobre nudez, relações sexuais e a sexualização de jovens. A plataforma proíbe: 

  • Conteúdo sexual ou pornográfico: Atos sexuais, fetiches, conversas explícitas e serviços sexuais. 
  • Nudez e exposição do corpo: Nudez de adultos ou menores (real ou digital), exposição de genitália, nádegas ou seios femininos. 
  • Sexualização de jovens: Qualquer exposição corporal de crianças ou adolescentes que represente risco é proibida, e conteúdos com seminudez não entram no feed “Para Você”. 

 

 O TikTok tem sido alvo de denúncias do aumento de conteúdos ilícitos. Em 2023, um estudo realizado pelas pesquisadoras Tatiana Azevedo e Letícia Oliveira, com o apoio do SGBR, identificou centenas de vídeos racistas, nazistas e até de glorificação de massacres na rede, que permaneciam por semanas e até meses sem remoção. A mesma pesquisa mostrou que adolescentes e jovens utilizavam “trends” disfarçadas para apoiar e propagar massacres em escolas.  

Você pode saber mais sobre essa pesquisa através do link: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/10/com-taticas-de-disfarce-conteudo-nazista-se-dissemina-pelo-tiktok.shtml 

 

PL que estabelece normas de proteção deve ser votado este ano 

 

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, alterando as regras que impediam a responsabilização das big techs. Foram criados mecanismos como o dever de cuidado, que obriga as plataformas a — de forma proativa — impedirem a circulação de conteúdos criminosos entre os usuários. 

Liz Nóbrega, coordenadora de Comunicação Estratégica e Inovação e Repórter do Aláfia Lab, um laboratório de pesquisa que atua na interface entre política digital e a vida cotidiana, ressaltou a necessidade da moderação humana nas plataformas digitais.  

“Muitas vezes, uma moderação artificial, feita por IA, não vai conseguir mapear esses casos e entender o contexto desses vídeos.” 

A pesquisadora também comentou sobre o PL 2628, projeto que estabelece normas de proteção a crianças e adolescentes no ambiente digital e que pode ser votado este ano na Câmara. 

“Pelo [PL] 2628, a gente consegue trazer um avanço significativo na proteção dessas crianças e adolescentes no ambiente digital. É claro que, por se tratar de regulação de plataformas, a gente tem um ambiente complexo, um ambiente em que os debates na Câmara dos Deputados, muitas vezes, tentam esvaziar o texto, esvaziar as obrigações das plataformas digitais. Mas a gente acredita que é um avanço significativo.” 

Liz completou, reforçando a urgência de um marco regulatório no Brasil, uma regulação ampla que traga transparência, segurança e garantia do processo de moderação de conteúdo para todos os usuários. 

Até o momento da publicação desta reportagem, os links obtidos pelo SGBR continuavam no ar. 

A divulgação de conteúdos envolvendo a sexualização de adolescentes e crianças é crime, previsto no artigo 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei define como “cena de sexo explícito ou pornográfica” qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais ou a exibição de seus órgãos genitais para fins primordialmente sexuais. 

A reportagem entrou em contato com a assessoria do TikTok, mas não obteve resposta até a publicação desse texto. O espaço continua aberto para a manifestação da empresa.  

 

 

Denuncie: 

Pornografia infantojuvenil: A organização Safernet disponibiliza um canal para denúncias anônimas através do site: new.safernet.org.br/denuncie. Só em 2024, a organização recebeu mais de 50 mil denúncias de imagens de abuso e exploração infantil. 

Compartilhamento de conteúdo íntimo não consensual (para maiores de 18 anos): A plataforma StopNCII.org atua para coibir casos de ameaças e compartilhamento de conteúdos íntimos. 

Dentro da plataforma: O TikTok também disponibiliza um canal interno para denúncias, que pode ser acessado diretamente no conteúdo violador, clicando em “Denunciar”. Ou através do link: https://www.tiktok.com/legal/page/global/reporting-illegal-content/pt-BR 

 

 
Quem assina essa reportagem
Texto e apuração de Licks, jornalista e ativista digital, com base em pesquisa de Expositou, videomaker, e arte de Upa, designer, todos membros da comunicação do movimento Sleeping Giants Brasil. 

 

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